As soluções chatas também podem ser uma fonte para o sucesso. Entenda o conceito e conheça exemplos de empresas e líderes que adotaram essa estratégia.
Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebook (foto: Getty)
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Por Guilherme Ravache
Startups e grandes ideias parecem ter se tornado sinônimos nos últimos anos. Ter uma ideia genial pode ser um bom começo. O problema desse modelo mental de boa ideia e sucesso é que ele é limitado não se sustenta em longo prazo no mundo real.
São as ideias chatas e as empresas metódicas e boas de execução que vencem o jogo. Sua ideia é genial até o momento que ganha o mundo, depois se torna copiável e perde o brilho. Vence quem executa melhor. Pouco importa se foi o dono da ideia ou apenas a copiou de maneira mais eficiente.
Não são os melhores produtos ou ideias que vencem, mas sim os mais adotados pelos usuários. O Betamax era uma tecnologia superior ao VHS do ponto de vista da imagem, mas o VHS oferecia mais opções de hardware a um custo menor, as fitas eram mais baratas e mais facilmente disponíveis, havia muito mais filmes para alugar e assim por diante. Barato, acessível e bom o suficiente não são ideias geniais, mas usualmente funcionam.
Em um post seminal, Paul Graham, co-fundador da Y Combinator, descreve o que chama de Schlep Blindness (ou cegueira tediosa). Segundo ele, existem grandes ideias de startups inexploradas bem debaixo de nossos narizes. “Um dos motivos pelos quais não as vemos é um fenômeno que chamo de cegueira de schlep. Schlep era originalmente uma palavra iídiche, mas passou para o uso geral nos Estados Unidos. Isso significa uma tarefa tediosa e desagradável”, escreve Graham.
Para Graham, ninguém gosta de schleps, mas eles são inescapáveis. “Houve um momento em 1995 em que eu ainda estava tentando me convencer de que poderia abrir uma empresa apenas escrevendo código. Mas logo aprendi por experiência própria que os schleps não são apenas inevitáveis, mas basicamente o que consiste o negócio. Uma empresa é definida pelos schleps que empreenderá”.
Quando o Nubank começou, todos sabíamos que o sistema bancário brasileiro era caro e ruim para o usuário. Também não era segredo que os bancos são um setor altamente rentável. Em tese, muitos poderiam entrar nesse segmento, mas preferiram ideias mais tentadoras e envolventes. O grande mérito dos fundadores do Nubank foi entrar em um dos mercados mais tediosos do mundo e enfrentar toda a burocracia (schleps).
“O mais perigoso em nossa antipatia por schleps é que grande parte dela é inconsciente. Seu inconsciente nem mesmo permite que você veja ideias que envolvam schleps dolorosos. Isso é cegueira schlep”, diz Graham.
Qualquer um que alugou um apartamento antes de existir a QuintoAndar sabia como o processo era chato. Do ponto de vista tecnológico a solução nem era tão complexa, mas quem encararia lidar com o dia a dia de milhares de locadores e locatários?
Existe ainda uma categoria à parte de tecnologia voltada a resolver schleps. Existe algo mais tedioso e bem-sucedido que o Excel? É um software lançado em 1985! Mesmo assim, segue essencial e amado por milhões de usuários.
O Excel não foi a primeira planilha digital. Quando o aluno da Harvard Business School, Dan Bricklin, teve que decidir entre fazer planilhas para um estudo de caso manualmente ou no mainframe da escola, ele, como tantos empreendedores, percebeu que deveria haver uma maneira melhor. Ele lançou o VisiCalc, uma “calculadora visual”, em 1978. A Computer Associates seguiu dois anos depois, em 1980, com o SuperCalc. No mesmo ano, Mitch Kapor vendeu o VisiPlot/VisiTrend para a dona do VisiCalc, a Personal Software, por US$ 1 milhão, e juntou-se para trabalhar como gerente de produto no VisiCalc.
Em 1982, Kapor deixou a Personal Software e fundou a Lotus. Em 1983 lançou o 1-2-3. Em seu primeiro ano de operações, a Lotus obteve US$ 53 milhões em receita. No ano seguinte, a receita saltou para US$ 156 milhões. A Lotus era um fenômeno.
No mesmo ano em que Kapor fundava a Lotus, a Microsoft lançava o Multiplan, software de planilhas da empresa liderada por Bill Gates. Quando o 1-2-3 chegou ao mercado, esmagou o Multiplan. Então, Gates montou uma força tarefa para criar uma solução melhor que o 1-2-3 da Lotus.
De acordo com Jeff Raikes, gerente de produto da Mutiplan e responsável pelo Office, "Um programador brilhante chamado Doug Klunder descobriu como fazer o algoritmo de cálculo em duas dimensões simultaneamente para que pudéssemos recalcular ainda mais rápido do que o Lotus 1-2-3.’ A inovação de Klunder significava que em vez de ter que recalcular cada célula toda vez que uma célula mudava, o Excel apenas recalculava as células afetadas. Isso deu a ele uma grande vantagem de velocidade e desempenho em relação ao 1-2-3, que criou a experiência mágica com a qual qualquer usuário do Excel está familiarizado: altere uma entrada e observe as planilhas cheias de saídas responderem imediatamente.
Em segundo lugar, Gates e Raikes decidiram que precisavam tirar proveito da interface gráfica. No meio do projeto, decidiram abandonar a versão para PC, que era operada via interface de linha de comando, para desenvolver exclusivamente para o Mac.
Com essas duas inovações, a Microsoft lançou o Excel em 1985, exclusivamente para Macintosh. Enquanto o Lotus 1-2-3 ficou preso no MS-DOS, o Excel conquistou o usuário comum, que era a grande maioria. A estimativa é que o Excel tem mais de 80% do mercado de planilhas. Difícil imaginar o mundo sem o Excel.
Ou seja, você também pode ganhar muito dinheiro ao ter uma ideia brilhante para resolver a cegueira de schlep de outras pessoas, como o Excel fez ao resolver o problema de milhares de usuários que não tinham paciência para aprender a programar.
O Facebook é outro exemplo de empresa chata e metódica, mas altamente eficiente. Em 2004, Mark Zuckerberg lançou sua rede social e desde então tem comprado concorrentes ou apenas copiado os atributos de produtos que ameacem o domínio do Facebook. Instagram, WhatsApp, há uma longa lista de aquisições da empresa. O resultado desse pragmatismo foi dias atrás o Facebook ultrapassar a marca de US$ 1 trilhão de valor de mercado.
Uma das minhas ações favoritas na bolsa de valores americana é a Waste Management. Existe algo mais chato do que lixo? Mas a Waste Management vive de coletar lixo e resolver problemas em torno de resíduos. Ela estreou na bolsa em 1988. De lá para cá, teve uma valorização de mais de 2.543%. Nessa conta não estão dividendos (que hoje são de 1,62%, nem splits de ação). Muitas empresas brilhantes de tecnologia ficaram pelo caminho nos últimos 33 anos. A tediosa Waste Management segue entregando valor.
Segundo Graham, é possível superar a cegueira do schlep. “Francamente, o antídoto mais valioso para a cegueira de schlep é provavelmente a ignorância. A maioria dos fundadores de sucesso provavelmente diria que, se eles soubessem quando estavam começando sua empresa sobre os obstáculos que teriam de superar, eles nunca teriam começado. Talvez essa seja uma das razões pelas quais as startups mais bem-sucedidas de todas costumam ter jovens fundadores”.
A esse conselho eu adicionaria criar um modelo mental para buscar resolver os problemas chatos e sem graça que a maioria foge. Comece o dia pelas tarefas mais chatas. Não fuja das tarefas tediosas, principalmente se for empreender.
Enquanto bilionários brigam por satélites ao redor do planeta, o Google lança gigantescos balões e muitos investem em drones capazes de ficar dias no ar para levar internet a um maior número de usuários, o Facebook novamente dá uma prova de seu pragmatismo. A empresa compartilha cabos de fibra ótica, criou um software mais leve para quem tem celulares mais baratos e trabalha ativamente junto a governos de diversos países por políticas mais efetivas para o acesso à internet.
A genialidade está na simplicidade dessa abordagem do Facebook. O chato também pode ser genial, mas ele normalmente cresce devagar e acelera com o tempo. É como uma bola de neve compondo valor e acelerando até se tornar uma avalanche. Ideias brilhantes são mais semelhantes às explosões, fazem muito barulho, tem grande impacto, mas passam rapidamente.
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