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Persistir ou pivotar, eis a questão: qual é o principal modo de falha da cultura de experimentação?

"E, após um teste que deu errado, pivotamos e nosso negócio foi feliz para sempre".

Persistir ou pivotar, eis a questão: qual é o principal modo de falha da cultura de experimentação?

Grupo de pessoas trabalhando (Foto: Canva)

, Colunista

19 min

16 ago 2023

Atualizado: 18 ago 2023

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Quem nunca ouviu a palavra "pivotar" no mundo da inovação e tecnologia está mentindo. Ela é parte obrigatória nas grandes narrativas de startups, nos cases de growth e produto, e nas histórias de corredor e de palco contadas por quem gosta de se vangloriar por uma mudança de rumo bem feita.

Não por acaso, o termo "pivot" se tornou sinônimo de histórias de pessoas empreendedoras de sucesso após ter surgido como jargão do famoso modelo de Lean Startup (startup enxuta, em português). Nele, como muitos aqui devem saber, Eric Ries e Steve Blank propõem lógica ágil para o desenvolvimento de novos negócios inovadores. Nessa lógica, os autores sugerem a famosa reunião de "pivotar ou persistir", em que as pessoas envolvidas decidem, baseadas na experiência dos ciclos até então, se devem persistir no atual curso estratégico ou pivotar para uma nova direção de hipótese de modelo de negócio.

Longe de mim questionar esse modelo. A lógica dele é bastante consistente com o contexto digital acelerado em que vivemos. No entanto, assim como em todos os métodos ágeis, é justamente por essa lógica fácil de compreender que muitas pessoas sentem que a prática será igual - o que infelizmente não é tão verdade assim. Na teoria, parece razoável trazer aos negócios mais agilidade e adaptabilidade por meio do aprendizado pela experiência. Dessa forma, é através de ciclos de experimentação ágil com pessoas usuárias que ajustamos a rota do desenvolvimento de uma nova solução conforme se caminha. 

Na prática, no entanto, o que parece uma marola tranquila pra navegar está mais para tempestade em mar agitado, cheia de imprevistos pela frente. Aprender por meio da experiência é um processo desafiador por 3 motivos:

  • A modelagem de experimentos exige técnica e consistência: testar uma solução ou de um modelo de negócio não é simplesmente jogar no mundo e ver se deu certo ou não. Um experimento precisa de técnica e consistência desde o primeiro rascunho no papel de pão até o MVP: é preciso definir as condições de contorno, a variável que se deseja testar (não se testa tudo ao mesmo tempo), o perfil de pessoa usuária para o teste, o formato de condução, a duração da análise e, principalmente, fazer uma boa análise do teste ao fim (o que muuuita gente tem preguiça de fazer). Para quem quiser saber mais sobre modelagem de testes, recomendo esse texto aqui.
  • A análise é sempre melhor quando controlamos nossos vieses: é natural que tenhamos nossas hipóteses e estejamos torcendo para que elas sejam validadas. Mas nosso viés não pode justamente enviesar a análise. Já vi muitas vezes lideranças dizendo que o teste está errado porque não concordam com o resultado, mexendo no espaço amostral e no público alvo para garantir melhores respostas ou puxando a sardinha e dar mais ênfase em algum ponto do teste que lhe agrada mais. As pessoas não fazem isso por mal, é apenas uma resposta espontânea da nossa mente na direção do que é mais confortável e conhecido. Por isso, ter a consciência dos nossos vieses e contar com pessoas com perspectivas diferentes da sua são caminhos importantes para viabilizar uma análise mais condizente com a realidade.
  • Nem todo teste é uma boa bússola: precisamos nos lembrar que nenhum teste é verdade absoluta. Quando analisamos um teste, buscamos por insights que nos ajudem a reduzir o risco (e não eliminá-lo) na tomada de decisão. Só que, diferentemente de um experimento científico, em que as variáveis e condições de contorno são bem mais controladas, o experimento no mundo dos negócios é bem mais imprevisível e limitado. O resultado de um teste, seja ele bom ou ruim, é um fragmento da história. Ele pode ser uma exceção ao invés de uma regra devido a uma salada mista de fatores que não consideramos, como uma escolha ruim de amostragem, as condições do teste, o período de análise ou qualquer outra condição externa não mapeada.

Isso quer dizer que a cultura de experimentação é um caminho ruim? Longe disso. A chave aqui é compreender que esse é um modelo que não pode ser banalizado - e uma forma de fazer isso é justamente compreendendo melhor os modos de falha para treinar nosso senso crítico e evitar práticas e análises que podem levar o negócio para a direção errada.


Para fortalecer esse senso crítico, eu volto ao famoso "pivot". A decisão de pivotar um negócio, por mais que pareça inspiradora, é, pra mim, um dos modos de falha mais críticos de uma cultura de experimentação em negócios. Para tangibilizar o porquê, vou referenciar um exemplo que muitos aqui testemunharam: o da disrupção do mercado de música digital. Vocês se lembram do Napster? Plataforma de download de músicas criada por um garoto rebelde que foi mandado para a detenção devido a problemas de direitos autorais em 2001? Muitos se lembram mais desse momento do que do fato que, logo após o Napster ser proibido, a empresa se reinventou em 2003 e ressurgiu como um serviço de assinatura de música, um "Spotify" antes do Spotify. 

Acontece que essa jogada não saiu tão bem como o esperado na época. Mesmo com a proibição legal, os downloads ilegais e os torrents seguiram firmes e fortes ao mesmo tempo que, no mercado legal, a compra de músicas pelo iTunes da Apple estava ganhando mais e mais tração com quem não queria encrenca com as autoridades. Nesse contexto, o serviço de assinatura do Napster caiu na categoria de 'não tão brilhante assim'. Os argumentos eram sólidos - quem quer "só" alugar sua música, certo? Até mesmo Steve Jobs entrou no jogo, declarando: "Ninguém quer alugar sua música, as pessoas querem ter a música".

Pois bem - até o Steve Jobs pode errar. Quando voltamos ao nosso presente, todos nós testemunhamos o renascimento do mercado de música por assinatura com serviços como o Spotify - que a Apple em seguida foi na retaguarda, copiou e lançou como Apple Music. Parece que alguém jogou um feitiço de reviravolta na história. A lição? Nem todos os fracassos são um sinal para jogar tudo pela janela. Às vezes, o momento é crucial, ou a tecnologia não está sincronizada, ou talvez a lua não esteja na estação ideal. Essas coisas acontecem - e jogar o bebê junto com a água do banho nem sempre é a melhor jogada.

Somado a esse, há muitos outros casos de "eu tive essa ideia antes e não deu certo". Isso acontece pelo simples fato de que o teste, seja ele bom ou ruim, é um dado, e não uma verdade absoluta ou um raciocínio lógico. O teste nos conta o que aconteceu naquele momento, mas é o raciocínio lógico que nos traz o porquê de cada acontecimento - e muitas vezes as pessoas pulam essa parte lógica. As falhas e sucessos podem ter múltiplas causas e é por isso que precisamos ter senso crítico para buscá-las antes de tomar qualquer decisão precipitada como pivotar completamente um negócio em construção. Para isso, há várias técnicas que nos ajudam a modelar e analisar o resultado de experimentos, como teste A/B, análise de causa raiz, amostra de controle e muitas outras.

Dessa forma, não é o pivot em si que é o problema. É a mentalidade que o cerca, como se fosse um "must have" ou a chave mágica para desvendar o enigma do sucesso. O pivot é uma ferramenta, mas não é uma varinha mágica, ainda mais quando estamos lidando com experimentos de negócios, que geralmente são mais arriscados e via de regra possuem dados insuficientes para tirar 100% do risco da equação. Às vezes, pivotar pode ser a resposta, mas não é um vale-tudo e nem sempre precisa ser tão drástico. 

O exemplo do mercado de música demonstra muito bem o risco de banalizar o "pivot". Nesse caso, temos um falso negativo, ou seja: ao analisar um experimento que deu "errado", a resposta foi abandonar a ideia de uma só vez ao invés de trabalhá-la melhor de outras formas e entender por que a falha ocorreu. Com isso, a Apple perdeu a chance de disruptar esse mercado no lugar do Spotify. 

Em qualquer negócio, precisamos estar preparados com a possibilidade de um experimento não dar certo. Isso faz parte. Vivemos isso muito na medicina, por exemplo: vários testes e exames sobre uma doença podem dar um falso negativo e, quando não melhoramos, refazemos o teste para descobrir que a doença sempre esteve lá - ela só não teve as condições corretas para ser diagnosticada naquele momento. Ainda que esse tipo de ocorrência seja comum em outros contextos, não consideramos essa possibilidade nos negócios.

O problema do falso negativo é que ele é dificílimo de detectar. Os falsos positivos, por exemplo, são fáceis de corrigir, uma vez que, quando temos um resultado positivo, seguimos com o curso planejado até que, eventualmente, percebemos que aquele resultado não se sustenta. Por outro lado, os falsos negativos nos compelem a pivotar e não testar aquele caminho nunca mais - o que pode nos fazer abandonar uma oportunidade que, com alguns ajustes de condições, poderia ser um sucesso. 

Entre o glamour errôneo do pivot, as análises rasas e os possíveis falsos negativos que deixamos para trás, há dois grandes riscos no desenvolvimento de uma nova solução ou negócio. O primeiro deles é que, de tanto abandonar ideias e iniciativas devido a um curto período de testes errados, o negócio perde a consistência e o rumo e fica andando em círculos sem conseguir persistir em nada concreto esperando o resultado de teste perfeito. O segundo risco decorre do primeiro: ao trazer a escolha entre "pivotar completamente" e "persistir da mesma forma" como algo binário sem meio termo, perde-se a oportunidade de testar ajustes intermediários nesse meio do caminho - onde provavelmente está uma opção melhor do que atuar nos extremos.

Mas então como podemos tomar melhores decisões ao aplicar uma cultura de experimentação ágil? Ao longo do artigo, fui mencionando caminhos relacionados a uma melhor modelagem de testes, minimização de vieses e uma análise mais profunda e voltada para a compreensão das variáveis e causas lógicas por trás do resultado de um experimento. Todas essas são formas boas para melhorar as condições e qualidade do teste, assim como a análise do resultado. Para pensar no direcionamento do que fazer após o teste, por sua vez, há duas formas de traçar um meio do caminho que pode minimizar os riscos de decisões extremas:

  • Os quatro quadrantes do persistir x pivotar: o empreendedor social Devin Thorpe, em um artigo da Harvard Business Review, sugere que a análise entre persistir e pivotar seja feita em duas esferas: a da missão e a da estratégia de negócios. Um exemplo para tangibilizar é o do lendário Post-it. De forma resumida, o adesivo usado pelo Post-it foi desenvolvido para outro propósito em um mercado B2B, que não deu certo na época. No entanto, foi através de um teste pelo inventor Art Fry que ele encontrou uma nova missão para aquele produto, atrelado a blocos de anotação. Esse foi um pivot de missão e de estratégia de negócios (pois a solução se tornou um produto B2C). Mas às vezes podemos ter a solução certa vinculada a um modelo de negócio errado - e vice-versa. Podemos então pivotar aspectos do modelo de negócio (mudar o canal ou o modelo de receita, por exemplo) ou aspectos da missão (mudar a proposta de valor para a qual o produto foi criado).
  • Um curativo entre o pivotar e persistir: o escritor Jurgen Appelo também trouxe, nesse artigo no seu Medium, a provocação de que ter apenas os caminhos de pivotar e persistir era insuficiente para o desenvolvimento de novos negócios. Para ele, também faltava o "meio do caminho". Diferentemente do Devin Thorpe, no entanto, ele trouxe o termo "curativo" (ou Patch, em inglês) para as mudanças que ocorrem entre o incremental do persistir e o radical do pivotar e não limitou-se à missão ou à estratégia de negócio. Para ele, mudanças "curativo" são mudanças grandes, mas em aspectos únicos do modelo de negócio. Eu posso mudar o canal, o segmento de clientes, a proposta de valor, os recursos e por aí vai - a diferença é que eu não mudo tudo de uma vez. Como analogia, se estivéssemos falando de uma casa, ele se refere ao persistir como um conserto simples de uma janela, ao pivotar como uma mudança de casa para um apartamento em outra cidade e ao curativo como a construção de uma garagem adjacente à casa após comprar mais um carro.

Para finalizar, por mais que eu tenha denominado o pivot como principal modo de falha por trás de uma cultura de experimentação, há uma causa por trás da falha. Esse e muitos outros erros ocorrem pelo nosso desejo de encontrar a fórmula mágica e copiar ipsis litteris um método sem estudar com profundidade a lógica racional por trás dele e adaptá-lo para o contexto e realidade de cada empresa e cada negócio. Quando falamos de negócios, não existe ciência exata e nem receita de bolo única. O que existe é bom senso e análise crítica para se adaptar e ajustar a rota conforme se caminha, equilibrando os olhos atentos, o espírito flexível e a mente ágil.

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Sócia e CMO na @weme, design-driven tech consultancy, co-founder Libri, plataforma talent-first de contratação de talentos remotos, board member Women in Sales e @Harpoon, Knowledge Expert na Startse e TEDx Speaker I Jornalista, engenheira, marketeira, professora e mãe | +15 anos impulsionando negócios centrados nas pessoas, de startups a grandes corporações.

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