Nesse artigo, eu abordo tanto os argumentos que sustentam uma estratégia customer-centric, assim como os principais modos de falha que impedem as empresas de conseguir isso. Confira!
Um presente para a cliente fiel (Foto: Canva)
, Colunista
26 min
•
26 out 2023
•
Atualizado: 26 out 2023
newsletter
Start Seu dia:
A Newsletter do AGORA!
Se eu perguntar (como já perguntei) a qualquer empresa se ela é uma empresa centrada no cliente, a resposta, às vezes sem graça, às vezes com cara de obviedade, quase sempre será sim.
Afinal, que raio de empresa existe e sobrevive sem seus clientes?
São frases usualmente encontradas em documentos de missão, visão e valores de muitas empresas, como muitos já devem ter visto, vivido e até escrito. E faz total sentido. Há argumentos de sobra para caminhar na direção da centralidade no cliente, dando essa sensação de obviedade no ar.
Ainda assim, muitas empresas não conhecem esses argumentos a fundo, embarcam nessa jornada pelas razões erradas ("tá todo mundo fazendo", "o board mandou", "não quero ficar de fora" - e similares) e, ao banalizar a complexidade do assunto, falham sem compreender a causa raiz do problema.
Nesse artigo, quero abordar tanto os argumentos que sustentam uma estratégia customer-centric, assim como os principais modos de falha que impedem as empresas de conseguir ser, de fato, centradas nos clientes.
Nenhuma empresa que eu conheço falaria "não queremos ser centrados no cliente, não é pra gente". Mas, muito embora todas elas concordam que o tema é fundamental para qualquer negócio, há pouco alinhamento sobre o que isso significa na prática.
Para algumas, é algo simples relacionado a um bom atendimento e uma boa estratégia de marketing e vendas. Para outras, o tema é tão abstrato que parece cachorro de muito dono: por parecer responsabilidade geral ninguém toma para si e a culpa alheia pinga igual batata quente quando as falhas ocorrem.
Por isso, vale começar explicando o tema. Customer Centricity, para mim, é uma estratégia transversal organizacional baseada em compreender, projetar e evoluir a organização sob a perspectiva dos seus clientes.
Na prática, isso significa que a criação de valor para os clientes vêm em primeiro lugar. Contudo, isso não significa que deixamos de olhar para a criação de valor para a empresa, muito pelo contrário. Na verdade, a empresa que mira nessa estratégia compreende que, no contexto atual, com clientes mais informados, com mais opções e mais poder de barganha, é justamente por meio da geração de valor para esses clientes que é possível gerar, consequentemente, valor para a empresa.
Nesse sentido, a empresa, cada área e cada pessoa colaboradora tem a habilidade não só de compreender as necessidades, dores e expectativas dos seus clientes, mas também de utilizar esse conhecimento como base e ponto de partida para todas as decisões da empresa, principalmente aquelas que têm um impacto direto e indireto na experiência deles.
Com isso, cada área e cada pessoa colaboradora compreende e atua em prol do seu papel na engrenagem de entrega de valor para seus clientes e, melhorando sua experiência de ponta-a-ponta, desde a aquisição, retenção e lealdade.
Uma vez compreendido o que é ser customer-centric, é possível imaginar que os motivos para defender essa estratégia são tão consistentes que parecem óbvios. Não por menos, eles têm sido base para justificar o investimento das empresas nesse sentido.
Para começar, o atual contexto de mundo pede pela centralidade no cliente. Não é novidade pra ninguém aqui que a evolução exponencial das tecnologias torna quase impossível prever para qual direção cada mercado irá se desenvolver.
Agora, o que não é tão óbvio é que, no meio dessa imprevisibilidade, compreender os clientes torna-se a melhor bússola. Isso acontece não pela tecnologia em si, mas pelo fato de que a tecnologia que importa é aquela que de fato é adotada por resolver a necessidade de alguém e, uma vez adotada pelas pessoas, essa adoção tem um impacto direto no seu comportamento, nos seus desejos e necessidades.
A consequência disso é que o poder de barganha fica cada vez mais na mão das pessoas, dentre as quais estão os nossos clientes, cada vez mais mais interconectados em diversos canais, com múltiplas opções, com toda informação na palma da mão e que adotam a tecnologia e se transformam mais rápido do que as empresas se adaptam a esse contexto.
E por aí vai. Estudos, exemplos e dados feitos por quem entende muito do assunto não faltam para justificar essa estratégia.
A partir da necessidade pelo contexto e os bons exemplos e dados que corroboram para a centralidade no cliente, o business case a partir de uma estratégia customer-centric é irrefutável e possui um desdobramento lógico racional autoexplicativo (que eu tentei ilustrar humildemente na figura 2).
Ao olhar, projetar e evoluir a organização, de forma transversal, sob a ótica dos clientes, trazendo suas necessidades para o centro das decisões e ações da empresa, o primeiro impacto direto é na satisfação deles.
Clientes satisfeitos, por sua vez, tornam-se mais leais à sua empresa e trazem três alavancas de performance de negócios. Clientes leais, além de aumentar o seu lifetime value (receita que cada cliente gera ao longo de todo o seu ciclo de vida com a empresa), também trazem economia de escala (manter um cliente atual é bem mais fácil do que trazer novos clientes do zero) e novos clientes por indicação (clientes satisfeitos indicam muito mais sua empresa para outros clientes).
Já a segunda vertical diz respeito a novos negócios. Ao continuamente compreender as dores, necessidades e expectativas dos seus clientes, a probabilidade de surgirem novas ideias de negócios para melhorar sua proposta de valor aumenta.
Essas ideias inovadoras centradas nos clientes têm maior probabilidade de sucesso e se transformam em novos produtos, serviços e negócios que trarão novos clientes (ou aumento de lifetime value dos clientes atuais) e que, com isso, também geram crescimento de negócios.
Ok. Temos uma necessidade gritante, exemplos consistentes e um business case muito bem embasado nas mãos. Por que então grande parte das empresas não consegue trazer a centralidade no cliente para a realidade?
"Nós tentamos, seguimos direitinho o case da empresa X e deu errado". Como de boas intenções o cemitério das empresas falidas está cheio, o primeiro problema é banalizar a complexidade do assunto.
Via de regra, as empresas buscam frameworks e métodos "hypados" para resolver um desafio complexo, como se essa estrutura de receita pronta desse uma falsa sensação de controle e previsibilidade. O problema aqui é que, assim como para os nossos clientes, o "one size fits all" certamente não funciona nesse caso.
Para cada empresa, estamos falando de diferentes mercados, diferentes estruturas, diferentes culturas e, principalmente, diferentes relacionamentos com diferentes perfis de clientes. É claro que podemos - e devemos - estudar cases, exemplos e métodos que existem.
Além disso, essa banalização com o tema também morre pela ansiedade dos resultados milagrosos de curto prazo. Muitas vezes, as empresas tratam o tema de centralidade no cliente como um projeto pontual, geralmente com poucas áreas envolvidas e com diferentes expectativas e visões do que significa centralidade no cliente para cada uma.
O resultado desse plano não tem como ser bom, pois além de achar que um projeto já basta, ao tratar o tema como um projeto, abre-se as portas para outras falhas maiores e inerentes a qualquer empresa: o desalinhamento entre áreas e pessoas aumenta com brigas de egos, vieses e resistência à mudança; as pessoas envolvidas então direcionam o foco para atividades internas mais urgentes; a falta de visibilidade de resultados de curto prazo busca solução em comitês, políticas e outras artimanhas da burocracia que só fadam a intenção ao fracasso.
Mas tudo isso, no final, é consequência. A causa raiz é mais embaixo. Para tornar sua empresa uma organização customer-centric, é necessário considerar essa transformação como uma mudança de modelo mental - ou o famigerado mindset. Na base do mindset de uma organização centrada no cliente está uma mudança essencial de DEFINIÇÃO, de DOMÍNIO e de PERSPECTIVA.
Quando eu falo de definição e domínio, eu estou falando literalmente de como a sua empresa se define e do que é a sua especialidade. Faça a você e a seus colegas de trabalho duas perguntas:
Eu já fiz essa pergunta para centenas de pessoas. Em todas as vezes, a resposta está sempre ligada ao produto ou serviço que elas ofertam. Minha empresa é de alimentos e bebidas, especialista em bebidas alcoólicas; minha empresa é uma consultoria de negócios, especialista em marketing e vendas B2B; minha empresa é de serviços financeiros, especialista em crédito consignado; minha empresa é produtora de ativos agrícolas, minha empresa faz equipamentos para indústrias… e por aí vai.
Eis aqui o primeiro shift: empresas centradas nos clientes não se definem pelos seus produtos e serviços. O problema aqui é que, como já falamos, o poder de barganha nos negócios está nas mãos dos clientes, que por sua vez, estão se transformando mais rápido do que as empresas conseguem acompanhar.
Dessa forma, se uma empresa foca e centraliza sua definição, sua operação e seu domínio no que ela vende e produz hoje, ela fica míope para essas transformações e, com isso, o produto ou serviço que é relevante para os clientes hoje, amanhã pode não ser mais.
Essa miopia gera uma reação sempre passiva e tardia às mudanças dos clientes. Quanto mais a miopia aumenta, mais o negócio vai ficando para trás e ficando menos e menos relevante para os clientes e para o mercado. Por esse motivo, as empresas centradas nos clientes não se definem pelo produto ou serviço, elas dominam e se definem pelo problema dos clientes que elas resolvem.
Ah, mas isso me parece apenas uma questão semântica. Vou explicar por que não é com um exemplo que está na vida de todos: o Google. Ao longo das duas últimas décadas, empresas que oferecem motores de busca surgiram aos montes, desde o velho Altavista e o Cadê, até o ainda existente, porém capenga, Yahoo.
A diferença entre elas e o Google é que, além de muitas delas terem falido ao longo dos anos, o Google sempre se definiu não como um site de busca, mas sim como uma empresa que tem como missão "organizar toda a informação do mundo". Hoje, um site de busca pode resolver, amanhã pode ser outra coisa, certo? Foi com esse olhar no problema e não na sua solução principal que o Google foi expandindo boa parte do seu portfólio.
Ao se aprofundar no problema dos seus clientes, a empresa foi não só aprimorando suas soluções principais, mas também foi compreendendo, testando, desenvolvendo e adquirindo tecnologias para complementar as suas possibilidades de solução e se tornar a empresa incrível que conhecemos hoje.
E, olha só, mesmo com esse mindset não é possível ganhar todas, mas é possível responder rapidamente a outros avanços de mercado, assim como ocorreu recentemente com a onda de IA com ChatGPT x Bard e outras soluções derivadas. Pois bem. Além da mudança de modelo mental de solução para o problema, há também aqui uma segunda mudança, pra mim ainda mais desafiadora. É a mudança de perspectiva.
Ao iniciar seus esforços na direção da centralidade no cliente, muitas empresas, de forma equivocada, acham que basta conversar e engajar-se com clientes. Falamos sempre com nossos clientes; Fazemos várias pesquisas; Analiso as pesquisas aqui do meu escritório; Queremos sempre saber como vender mais para nossos clientes; Queremos saber como fazemos nossos clientes seguirem nosso processo de atendimento com 349867 etapas…
O problema dessa visão é a perspectiva: nesse caso, estamos olhando sim para os clientes, mas com os olhos da empresa. Nenhuma empresa faz isso por mal. Na maioria das vezes, fazemos isso simplesmente porque é mais confortável. Afinal, é muito mais fácil olhar para os clientes com o desejo de moldá-los à minha empresa, aos produtos que eu domino, aos processo que eu criei, aos resultados que preciso alcançar e àquilo que eu sei e desejo.
Quando essa perspectiva predomina, a centralidade no cliente é seletiva e inconsistente - para não dizer cínica. As empresas que não abrem mão dessa perspectiva usam a voz do cliente de forma seletiva como racional apenas para as decisões que são a favor do negócio.
De maneira complementar, quando essa voz não endossa as decisões desejadas do negócio, os vieses internos entram em cena mascarados de "eu sei muito mais sobre o cliente do que ele mesmo" e, com isso, invalidam as descobertas com as quais as pessoas tomadoras de decisão não concordam.
Por outro lado, a centralidade no cliente acontece quando o mindset inverte a perspectiva e prioriza os insights provenientes da forma como os clientes enxergam e interagem com a empresa. Em contraste, essa posição é extremamente desconfortável porque fortalece uma perspectiva que a empresa não controla.
Os clientes podem ter dores e necessidades que hoje a empresa não resolve em seus produtos e serviços, podem querer se comunicar por um canal que a empresa não usa, podem precisar de informações que a empresa não oferece…
Tudo isso a gente não controla, mas a vantagem competitiva vem justamente quando a empresa consegue utilizar essas informações para antecipar e protagonizar movimentos de mercado que seus clientes realmente querem e precisam.
É por tudo isso que digo: esse caminho é muito mais complexo do que se imagina. Muito mais que uma mudança de modelo de negócio, essa é uma transformação sistêmica organizacional. Ela envolve estratégia, mas também envolve cultura, agilidade e a tal mudança de modelo mental.
Apesar de não ser um projeto pontual, essa estratégia pode até começar como um, principalmente em organizações maiores, mas precisa de força - e recursos - para continuar.
Nesse caminho, o endosso top-down e bottom-up precisa se equilibrar em cada um dos muitos aspectos que precisam ser trabalhados. Eu chamo esses aspectos de "obviedades não-óbvias", pois por mais que pareçam algo óbvio, a prática é sempre mais desafiadora, principalmente para manter a consistência do que foi planejado.
Para se ter uma ideia de como a estratégia de centralidade no cliente pode e deve se desdobrar nas empresas, trouxe algumas das obviedades não óbvias que já mapeei nesse caminho:
Visão do que é centralidade no cliente na empresa precisa ser única e compartilhada: A visão sobre centralidade no cliente precisa estar alinhada e compreendida por todas as pessoas da empresa.
Segmentação por valor de clientes: Alguns clientes são mais valiosos do que outros, por isso é preciso descobrir e direcionar o foco da organização para os segmentos de clientes para os quais ela entrega mais valor.
Compreensão contínua e integrada dos clientes: os mecanismos de compreensão dos clientes precisam ser contínuos e seus dados integrados para compreensão e apoio na tomada de decisão de toda a empresa.
Proposta de valor em beta constante: É preciso continuamente analisar e acompanhar as mudanças nas necessidades dos clientes para entender como estamos e podemos entregar valor agora e no futuro.
A experiência dos clientes é parte relevante da proposta de valor: Do primeiro contato ao pós-venda, cada interação isolada e conjunta precisa encantar o cliente como na primeira vez ao longo da jornada.
A experiência das pessoas colaboradoras reflete diretamente na experiência do cliente: Colaboradores da empresa são interface e agentes transformadores da experiência dos clientes e, por isso, sua experiência na empresa precisa ser cuidada com a mesma relevância.
Métricas de sucesso estão conectadas à geração de valor ao cliente: muito além das métricas financeiras tradicionais, a empresa precisa medir seu sucesso com métricas que se relacionam diretamente com a geração de valor para os clientes.
O sistema operacional da empresa precisa se adaptar às mudanças dos clientes: uma empresa não consegue ser centrada no cliente se seus processos e mecanismos não se adaptarem com a mesma agilidade.
A centralidade no cliente precisa ser sistêmica: as jornadas dos clientes muitas vezes envolvem muito mais agentes do que apenas os clientes e a empresa. A colaboração em rede com esses agentes aumenta o espaço e as possibilidades de geração de valor.
A descoberta supera o planejamento na estratégia de centralidade no cliente: se as estratégias vencedoras se baseiam em hipóteses corretas, a estratégia de centralidade no cliente é sempre um trabalho em andamento, pois os clientes continuam mudando.
Jornadas são ferramentas de governança de centralidade no cliente: Mais do que um framework bonito, jornadas atuam como ferramentas de gestão cross-funcional que trazem alinhamento de informações e da lógica de tomada de decisão da empresa.
Ufa, esses são os principais e mostram como é complexo o caminho na direção da centralidade no cliente. Agora, embora cada um deles mereça um artigo à parte (aguardem!), a principal mudança ainda é a de modelo mental. Começando daí, todo o resto se ajusta conforme se evolui nessa direção.
Esta certificação é o passaporte para a excelência em inovação e proporciona uma vantagem significativa para profissionais que buscam se destacar no mercado global. Com um currículo focado em estratégias inovadoras, tecnologias emergentes e pensamento criativo, os participantes estão preparados para enfrentar os desafios e oportunidades do mundo empresarial atual. Aproveite esta oportunidade única para se diferenciar e prosperar na economia do futuro. Saiba mais aqui!
Gostou deste conteúdo? Deixa que a gente te avisa quando surgirem assuntos relacionados!
Assuntos relacionados
, Colunista
Sócia e CMO na @weme, design-driven tech consultancy, co-founder Libri, plataforma talent-first de contratação de talentos remotos, board member Women in Sales e @Harpoon, Knowledge Expert na Startse e TEDx Speaker I Jornalista, engenheira, marketeira, professora e mãe | +15 anos impulsionando negócios centrados nas pessoas, de startups a grandes corporações.
Leia o próximo artigo
newsletter
Start Seu dia:
A Newsletter do AGORA!