Com um programa de compra de ações, a startup incentiva seu colaborador a ser mais produtivo e aumenta sua lucratividade
Colaboradores (Fonte: Getty Images)
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8 min
•
19 dez 2022
•
Atualizado: 19 mai 2023
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O déficit de talentos na área de tecnologia e a fuga dos mesmos para outros países, em busca de melhores oportunidades, são alguns dos fantasmas que assombram as startups, principalmente as que estão em estágio inicial. No entanto, a maioria do ecossistema está munido de uma arma poderosa para atrair e não deixar esses profissionais escaparem: a participação societária – ou, pra ficar mais charmoso, stock options, ou simplesmente, SOPs.
Ferramenta essencial dentro do processo de gestão de qualquer startup, as stock options representam um direito que um determinado colaborador recebe de comprar ações da startup no futuro sob um valor previamente acordado – o strike price (preço de exercício). Segundo a prática de mercado no Brasil, as startups separam cerca de 10% do seu captable para o plano de SOPs. Já no Vale do Silício, é comum as startups separarem 20%.
Tanto a startup que oferece essa opção quanto os colaboradores que topam fazer parte de um programa de SOPs, se beneficiam. O pulo do gato está em motivar as pessoas a se dedicarem mais ao que fazem. A conta é simples. Com uma melhor performance, ele ajuda a melhorar o desempenho da empresa. E quando a empresa tem um desempenho melhor, suas ações valem mais, e quem tem esses papéis ganha. Ou seja, quanto maior o esforço, maior a recompensa.
Como existe um período (geralmente de 4 anos) até que a opção da compra das ações seja liberada, o colaborador deverá trabalhar para a mesma startup durante todo esse tempo se quiser realmente exercer (ou comprar) as ações que lhe foram concedidas. Tá aí outra característica do plano de SOPs atrelada à retenção de talentos.
Convencer um profissional a trabalhar em uma startup (um ambiente de alto risco) e não em uma empresa tradicional, que oferece diversos benefícios trabalhistas e remuneratórios é um dos grandes deafios das startups. E o SOP bem estruturado e implementado pode ser uma resposta. Segundo Marco Poli, investidor em startups e fundador da consultoria ClosedGap, ele traz a mentalidade de dono da empresa ao profissional que está se juntando ao seu time.
“Conforme a pessoa vê seu trabalho surtindo efeito nos ganhos da startup, ela se sente parte do negócio, incentivado a colaborar cada vez mais com o crescimento da empresa. É preciso colocar na cabeça daquele profissional que na minha startup ele tem a possibilidade de obter um retorno muito melhor do que em uma empresa tradicional”, afirma Marco.
O investidor acrescenta que, quanto mais incipiente é o estágio da empresa, o programa de stock options é ainda mais relevante. “No início, a startup ainda não tem um RH estabelecido, não tem grandes pacotes de benefício a oferecer, já que está mais focada em seu produto”, comenta ele.
Antes de explicar melhor como funciona um programa de stock options, é importante ressaltar que a participação dos funcionários de uma startup é voluntária, ninguém é obrigado a fazer parte. Assim como aqueles que aceitam fazer parte não são obrigados a exercer a compra das ações – o que pode ocorrer, por exemplo, quando o valor de mercado da ação está abaixo do preço de exercício estabelecido em seu contrato de opções.
O perfil de funcionário que terá direito a participar de um programa de stock options é definido pela própria startup. Não há uma regra ou uma exigência de estender o benefício para todo mundo. Já em relação ao preço das ações, ele é fixado no momento em que o benefício é concedido e, geralmente, o valor dos papéis é determinado sobre o valuation estabelecido na última rodada de investimentos recebida pela companhia.
Existe um prazo mínimo para o profissional ter direito a exercer as opções, chamado vesting, comumente de 4 anos. Este prazo normalmente tem um período inicial de “carência”, denominado cliff, usualmente de 1 ano. Se o colaborador deixar a empresa (por qualquer motivo) nos primeiros 12 meses, deixa de ter direito a efetuar a compra da participação e de ser sócio da empresa.
O ganho efetivo do colaborador é calculado pela diferença entre o preço de exercício (valor a ser pago) e o valor que as ações estiverem efetivamente valendo na data da compra. Com a SOP, ele ganha somente o delta incremental. Por exemplo, caso ele tenha um strike price de R$ 5 e a ação esteja valendo R$ 25 na data do vesting, ele recebe R$ 20.
Após anos de discussões no mercado sobre a natureza jurídica das stock options, finalmente o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) prolatou em novembro uma relevante decisão. A grande dúvida era a interpretação de se as SOPs devem ser caracterizadas como parte da remuneração do colaborador, sendo tributadas como salário e com incidência dos tributos aplicáveis, ou se seu caráter é puramente mercantil, neste caso tributadas como uma operação de ganho de capital normal, com incidência apenas do imposto de renda.
O entendimento do Carf foi no sentido de que o plano de stock options oferecido por uma empresa não tem caráter remuneratório, mas mercantil, afastando a cobrança de contribuição previdenciária sobre os mesmos. Trata-se do primeiro julgado favorável aos contribuintes na Câmara Superior em relação a stock options.
“Onde não há lei, não podemos enxergar remuneração. É um contrato mercantil entre duas partes onde estou investindo o meu dinheiro, comprando uma ação”, opina Isabel Bueno, sócia da prática de Remuneração de executivos do Mattos Filho, escritório de advocacia defensor das stock options, por enxergar grande valor nessa estratégia.
De fato, a ausência de legislação no Brasil que defina a natureza jurídica desses incentivos é uma das causas de controvérsia do tema na esfera tributária, o que gera diferentes interpretações entre Fisco e contribuintes, trazendo um alerta sobre os riscos desse tipo de operação. Para evitar tais riscos, é importante observar diversos critérios e variáveis na criação de um plano de SOP, como a previsão de um preço de exercício que não seja irrisório.
“Precisamos alertar que é um programa que precisa ser muito bem feito, para não colocar ninguém em risco, e não pensado com base em algo já existente na internet, por exemplo”, destaca Lisa Worcman, sócia das práticas de Tecnologia, Inovação e Negócios digitais do Mattos Filho. “Todo programa de Stock Options tem um grau de risco envolvido por não ser algo regulamentado. Então o fisco pode entender de uma forma diferente da nossa”, complementa.
O escritório de advocacia inclusive possui um programa de inovação chamado Attix, o qual oferece algumas soluções tecnológicas que tratam especificamente de stock options, como exemplo, ferramentas para administrar o captable de empresas que oferecem essa estratégia.
Quando o texto do Marco Legal das Startups foi apresentado pelo governo no fim de 2020, foi gerado um cenário de inconformidade no ecossistem, pelo fato de as stock options, que era um tema previsto no proejto, ter sido deixado de fora. Na época da aprovação do texto, o relator do Marco Legal, senador Carlos Portinho, defendeu que o tema fosse tratado em um projeto específico.
Pois bem, após 1 ano de estudos, Portinho protocolou, no mês passado, o PL 2724/2022, que dispõe sobre o regime dos Planos de Outorga de Opção de Compra de Participação Societária, ou stock options. Basicamente, o “Marco Legal do Stock Options” possibilita que seja firmado contrato entre uma pessoa natural e uma empresa — com o indivíduo tendo a alternativa de adquirir, deter ou alienar ações, de acordo com regras pré-estabelecidas no acordo entre as partes.
De acordo com o senador, os planos de outorga de opção de compra de participação societária são formas comuns de incentivo utilizadas pelas empresas, com o objetivo de conceder a alguns beneficiários a oportunidade de adquirir, em uma data futura, ações de emissão de determinada sociedade, por preço previamente definido no momento da outorga, no limite do capital autorizado.
“Ante a falta de previsão legal específica no país e a grande insegurança jurídica frente ao tema, submetemos este projeto de lei visando estabelecer as definições do instituto de forma a afastar interpretações que resultem em descaracterização da natureza mercantil e critérios objetivos para fins de tributação dos planos de outorga de opções de ações”, explica Portinho na proposição. O projeto de lei agora aguarda apreciação em Plenário — veja mais detalhes sobre a proposta neste link.
Para inspirar quem está começando, conheça 3 startups, em diferentes estágios, que contam com um programa de Stock Options para seus colaboradores.
A operadora móvel digital Nomo modelou o stock option até antes de ter um time. Segundo o cofundador e CEO, Henrique Garrido, foi a primeira coisa que fizeram pós-investimento – em sua estreia no mercado, no fim de 2021, a startup recebeu R$ 14 milhões, aporte liderado pela gestora Iporanga Ventures.
“É uma estratégia tanto de atração como de retenção, mas antes de tudo é como a gente exerce na prática o nosso valor de cuidar das pessoas. Valorizamos as pessoas e o nível de contribuição de cada colaborador na transformação do mercado de telecomunicações a partir da tecnologia”, comenta ele.
Henrique explica que a startup montou dois modelos de Stock Options, ambos dentro de uma estrutura offshore. O primeiro, com estrutura 1 ano de cliff + 4 de vesting, beneficiou as primeiras contratações do time, ofertado antes das pessoas entrarem (ou seja, elas já entravam sócias).
Já no segundo, se beneficiam pessoas que já tinham entrado um pouco mais pra frente e que estavam se destacando, ou sócios que estão entrando depois de 1 ano de companhia. A estrutura não inclui o cliff, somente os 4 anos de vesting. Aqui, foi construído o programa ‘Parte do Todo’, no qual um comitê de sócios, juntamente ao time de People, avalia a contribuição cultural e de performance dos indicados ao programa. Neste ano, 5 colaboradores viraram sócios.
A healthtech Vidia, cuja missão é tornar as cirurgias eletivas mais acessíveis junto a hospitais e médicos de ponta, também iniciou a cultura de stock options desde sua fundação, em 2019. Atualmente, dois terços do time da startup possui sociedade ou são beneficiários do programa.
A empresa não exige um nível de senioridade para ter acesso ao benefício nem mesmo um tempo mínimo de casa. Para ser elegível, de tempos em tempos, os sócios se reúnem e definem em conjunto perfis que fazem sentido para entrar no programa ou receber mais opções.
“Se um colaborador ajuda a empresa a ganhar valor, nada mais justo que capture parte desse valor gerado. Acreditamos nessa relação ganha-ganha. O objetivo é o alinhamento de interesses, além da recompensa merecida”, afirma Thiago Bonini, fundador e CEO da Vidia.
A Zippi é uma fintech que fornece capital de giro semanal a micro e pequenos empreendedores. A startup, que neste ano captou uma série A de US$ 16 milhões, também disponibiliza o benefício independentemente do nível de senioridade de seus colaboradores, mas é necessário estar na startup há, pelo menos, 1 ano. Contudo, as quantidades de shares são descritas logo na proposta, tornando o programa ainda mais atrativo na hora da seleção de talentos.
Para Bruno Lucas, cofundador e CFO da Zippi, o modelo de stock options é a forma mais eficaz de fazer com que as pessoas pensem com cabeça de dono da empresa e sejam donas de uma parte da mesa. “Ao ver o valor das opções crescerem conforme a empresa ganha envergadura, isso cria um sentimento de progresso e alinhamento muito forte, que se traduz em muita dedicação e senso de propósito no dia a dia”, diz Bruno.
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